sábado, 14 de março de 2009

O Sol

Há metafísica bastante em não pensar em nada. (s.d.)

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei.
Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.
É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa. (...)

trecho de
De PESSOA, Fernando. "Ficções do interlúdio: Poemas completos de A. Caeiro"

sexta-feira, 13 de março de 2009

Minha Begonia

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Thiago de Mello
ESTATUTO DO HOMEM (Ato Institucional Permanente)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Verde Folha

Me lembro bem
de uma tarde de primavera
Naquela tarde
um par de olhos verdes
me fitaram interessados
Interessados me seguiram
me intimidaram
me seduziram
e me apresentaram
um par de labios
uma pele macia
um perfume novo
um amor novo
e fresco

Ja e quase outono
e este par de olhos
que se perderam de si mesmos
parecem nao mais me ver
Eles se distanciam
Querem partir

Queria nunca perde-los
Mas sinto
Nao mais os tenho
E meus proprios olhos
Perdem assim
Sua propria cor

quarta-feira, 11 de março de 2009

Elástica


E qual seria então a suprema forma da liberdade se
mal nos permitimos pensar livremente?

É sair por aí, pela estrada, vivendo aventuras?
É não se apegar a ninguém?
É encher a cara e curtir a noite na balada?
É ir vender água de coco em alguma praia do nordeste?
São só disfarces.
A suprema liberdade, pra mim, seria o SER, que não se dobra ao medo e suas chantagens.

Toda chantagem é criminosa.

terça-feira, 10 de março de 2009

Gota de Clarice


"Um dia eu disse infantilmente: eu posso tudo. Era a antevisão de poder um dia me largar e cair num abandono de qualquer lei. Elástica."


Clarice Lispector em Água Viva

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Da Ditadura do Querer

"Você sabe o que quer? Como assim? Não sabe? Como você acha que vai chegar a algum lugar? Você tem que decidir o que quer!"
Desde cedo a gente aprende que a gente tem que ter objetivo na vida,"O que você vai ser quando crescer?" as mães perguntam pros filhos de 5 anos. Ai a gente começa a crescer um tiquinho e aprende que as pessoas mais bem sucedidas são as que sabem o que querem. Colocam toda a sua energia naquilo e realizam. São vencedores.
Faz algum sentido, mas não faz todo.
Não quero dizer que as pessoas devam viver ao sabor da maré, mas que elas não tem que ser escravas dos "quereres", dos objetivos, das certezas. Aliás a maioria das vezes não é a gente que quer alguma coisa, são as outras pessoas que decidem o que a gente quer. Sei não. Quantas pessoas frustradas não ficam no caminho? Tantos as que não realizam quanto as que atingem seus objetivos, realizam seus desejos.
Meu pai outro dia me disse "a posse é a morte do desejo". Sim, você deseja algo, com toda a sua força, a partir do momento que consegue o que quer, o desejo morre. Aí você fica sem objetivo e tem que ir em busca de um outro querer. É uma eterna corrida.
Certezas? Quem consegue ter alguma? Quem consegue ter uma vida linear, em que seus interesses são sempre os mesmos? Não mudam nunca? Que tédio.
Eu não quero TER que querer nada, só quero estar com quem gosto, onde gosto, fazendo o que gosto.
Utópico?

Tati

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ESTO QUE VES

Esto que ves soy yo,
ni más, ni menos.
Un pedazo de SER...
un trozo de humanidad...
un puñado de risas...
un montón de sueños.
Una cuota de locura...
un pedazo de dulzura
con toda mi sinceridad.
Esto que ves, soy yo,
ni más, ni menos.
Una mujer, a veces una niña,
a veces espacio...
a veces infinito...
a veces pasión...
a veces libertad.
Pero así, simplemente así...
así soy yo.
Es todo lo que tengo,
todo lo que soy...
No es mucho... pero es todo.

Teresa Aburto Uribe

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Cansa

Tem coisas na vida que cansam.
Trabalhar das 8 às 6 cansa.
Cansa contar calorias.
Fazer ginastica 3 vezes por semana
Cansa.
Pagar as contas em dia
Cansa.
Ser super cool cansa.
Cansa ver filmes de arte.
Cansam os papos sempre interessantes.
Por favor, me dê um besteirol.
Nossa pretensa superioridade cansa.
Criticar os outros cansa.
E cansa demais.
Preocupar-se com o futuro cansa.
Mas o pior é a falta de amor.
Falta de amor cansa demais.
Deus me livre da falta de amor.
Pelos outros.
Por mim.
E de mim pelos outros.
Amar não cansa.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Da Sanidade

Ontem aconteceu uma situação engraçada e que me fez pensar sobre essa coisa toda da loucura. Tive uma briga daquelas com meu love, gritaria, ofensas, coisas jogadas, portas batidas e muito choro. Um momento de total falta de controle, falta de racionalidade. Mas do mesmo jeito que nos descabelamos, acabamos em beijos e prometendo que tudo ia ser diferente dali pra frente e nada daquilo ia acontecer de novo. Pelo menos até a proxima briga. Mas enfim, após esses momentos pós estresse, nada como um pouco da serotonina fornecida por uma dose cavalar de açúcar. Um Top Sundae do Mc Donald's que foi premiado com uma dose extra de calda de caramelo, porque afinal não era aquele o sabor que eu tinha pedido, foi a vítima. Domingão quente, não tinhamos onde sentar e acabamos sentando numa muretinha do lado de fora do restaurante.

Felizes e contentes saboreávamos nosso manjar, quando um desses mendigos meio doidos se aproximou de nós com uma pasta amarela e um monte de folhas de sulfite na mão. Ele nos estendeu uma delas onde estava escrita aquela mensagem clássica do tipo, "Estou pedindo dinheiro". Mas esse mendigo não era comum. Primeiro, em sua mensagem ele se identificou por "Meu nome é Fulano de Tal, sou filho de Fulana e estou pedindo dinheiro." Ou seja era um doido com nome e sobrenome e que tinha mãe. Como haviamos saido sem bolsa, só com o dinheiro do sorvete, "ficamos devendo". O engraçado é que ele, alheio a nossas explicações, rabiscava com uma caneta Bic preta numa de suas folhas de sulfite. Terminado seu trabalho e pouco preocupado com o dinheiro, ele me estendeu a folha com um desenho. Não era um desenho de uma pessoa abobada. Era o desenho de um vaso com 4 flores Miró style. Fiquei olhando pra ele e agradeci pelo trabalho que sugeri que ele assinasse. Ele se recusou e disse que não precisava assinar não. Depois fiquei pensando se ele sabia escrever mesmo.

O que me pareceu curioso foi a criatividade de nosso amigo da pasta amarela, e a sua aparente satisfação de presentear as pessoas com seus desenhos. Ele, claro, estava sujo e fedia, mas suas folhas de sulfite estavam impecavelmente limpas e sem nenhum amassado. Seu semblante era tranquilo e após ter entregue seu trabalho, ele nos deixou e sumiu, simplesmente sumiu.

A gente vive lutando pra manter a sanidade, vai fazer terapia, yoga, meditação, ginástica, lê "O segredo". Mas a grande maioria das pessoas vive no limiar da loucura, basta ver as reações dos motoristas no transito, em uma fila que não anda ou numa briga de casal. Outro dia mesmo, eu estava no shopping numa fila, e de repente BUM! Um homem atirou seu celular no chão despedaçando o pobrezinho, e simplesmente saiu andando. Deve ter sido uma briga de casal porque uma mulher saiu atrás do tal homem. Mas ninguém ouviu nada, viu nada. Em outra ocasião parada no transito da marginal Tietê, vi um homem sair de seu carro e simplesmente acertar um soco na cara da motorista (sim era mulher) do carro de trás.

Eu não estou falando de pai que joga o filho pela janela, nada de extremo, estou falando de situações normais, de pessoas que trabalham com a gente, vivem com a gente, mas que num momento de fúria são capazes de agredir, ofender, arriscar a própria vida. Enquanto isso, nosso amigo doido, distribui suas flores de papel em troca de umas moedas ou simplesmente pelo prazer de dividir seu "trabalho".

Acho que está na hora de repensarmos nossos conceitos e preconceitos.

Tati

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Ano é Novo de Novo

E o ano é novo de novo.

Me assustei nas ultimas semanas ao me dar conta que, sim, 2008 estava no fim. 2008 que começou cheio de esperança, foi um ano de novos caminhos, decepções, um fim dificil, mas acabou cheio de determinação e renovação das esperanças. Como sempre.

Esperança é um sentimento engraçado. Até irracional eu acho. Mas sem o qual a gente não consegue viver. O homem vive na esperança do recomeço, na esperança de que tudo agora vai dar certo, que o sofrimento acabou. A gente sabe que não acaba, mas a gente tem esperança. Interiormente sabemos que o verão não dura pra sempre, da mesma forma que não dura o inverno, mas ainda assim esperamos vir a ser como aqueles passaros que migram para o sul no inverno do hemisfério norte, ou dormir na época de privações como os ursos. Seria bom podermos migrar do tempo de sofrimento para a felicidade sem fim? Parece uma ideia atraente, mas eu duvido que o ser humano conseguisse viver assim. Gente é um bicho estranho, vê beleza na dor. É um prazer masoquista, recompensado pelo alivio do fim do sofrimento. Pelo menos por um tempo.

Tudo o que eu sei é que parar de sofrer é uma decisão das mais dificeis na vida de uma pessoa. A pessoa está gorda e deprimida, com baixa auto-estima, pressão alta, mas não faz dieta. A mulher apanha do marido, mas não larga o desgraçado por medo da solidão. O emprego tá uma droga, você se sente pisado e diminuido pelo chefe, ou pelos colegas, ou não tem satisfação no que faz, mas não procura alternativas porque o mercado tá dificil, os salarios são baixos... É uma tal inércia, mas vem o ano novo e você renova a esperança de mudar isso e segue vivendo. Uma minoria das pessoas consegue fazer o que se propôs, e são admiradas pela sua "força". Já a maioria vai deixando pra amanhã, até que o final do ano se aproxime e quando ela estiver perdendo a energia, vai pular sete ondas e se recarregar de novo.

Eu também tenho esperanças pra esse ano. Espero passar para o time dor "fortes", fazer com que a vida volte a ter um ciclo de altos e baixos no mínimo iguais, não só, ou predominantemente, baixos. Eu espero voltar a viver em harmonia comigo mesma, e com as pessoas que eu amo. Eu espero não mais me entregar à chantagem do medo. Do medo da velhice, do medo da solidão, do medo da falta de amor. Eu espero perder a barriga, também!

Seja lá o que for a coisa que você tiver se prometido, não deixe pro próximo ano. O tempo está passando rápido demais pra gente deixar que o inverno prevaleça.

Este texto é de mim para mim mesma.

Tati

P.S. só pra explicar, as aspas nas palavras força e forte, são porque eu não acho que sejam tal coisa, pra mim a tal de força neste caso chama-se vontade.