quinta-feira, 27 de maio de 2010

Ridiculos Humanos IV

Inicio de tarde de segunda feira, ela fazia compras lentamente no supermercado alheia à confusão que havia deixado para trás no escritório. Precisava respirar um pouco. Tentar não pensar em nada. Era muita pressão, muita cobrança, muita desarmonia. Sentia-se fora de eixo.

Passeava pelos corredores desviando das muitas caixas de papelão espalhadas pelos promotores que trabalhavam repondo as mercadorias vendidas durante o final de semana anterior.

Caminhava e coletava fragmentos de conversas pelos corredores.

Na seção de higiene pessoal.

“ É amor, você tem que saber que agora você não é mais uma simples auxiliar de enfermagem. Agora você é uma vendedora, entendeu? Tem responsabilidade. Um cargo. (silêncio). É. Ó, te amo, viu? Te amo. Te amo. Te amo. A gente se fala mais tarde”. Desliga o celular. “Ô véio, bora agilizar que tem todas essas caixa pra repor ainda. Aqui é o xampu, não o condicionador.”

Na seção de enlatados e conservas.

“Mano, lá é da hora. Tem várias mina gata. Mas aí, ou o cara fica muito loco ou é muito necessitado, meu, se ele desse um tempo descolava uma mina da hora, mas ele ficou lá abraçando a gorda e tals.”

“ Da hora, vou ver se colo lá domingo que vem.”

“É minha mãe fala pra mim não ir lá. Aí eu falo que não vô. Mas aí vai chegando a hora da balada e eu acabo indo.”

Na seção de leites e pães.

Um cliente com um panfleto do supermercado na mão. “Cadê o leite da oferta? Moço cadê esse leite aqui do folheto? Ah, ta. Pega uma caixa. Não pega desse azulzinho, não. Pega o integral. Esse é desnatado. É a pura água.”

Concluiu suas compras, e resolveu descer à praça de alimentação do hipermercado para almoçar antes de voltar ao escritório. Fez seu pedido e ficou esperando que sua senha aparecesse no mostrador.

Três meninos carregando caixas de engraxate entraram no complexo do hipermercado e saíram em busca de um troco entre as pessoas que almoçavam. “Moça, me paga um almoço.” “Tenho dinheiro não, moleque.” Enquanto circulavam pelas mesas, um deles encontrou uma bandeja deixada por um cliente com um pedaço de frango e algumas batatinhas, dos quais se serviu sem cerimônia.

O menorzinho dos três, que não parecia ter mais de oito anos, carregava o dinheiro do almoço e decidia olhando para os letreiros qual seria o prato dividido por eles.

Ela almoçava em silêncio, refletindo sobre seu pequeno passeio. Pensou nas pessoas cujas vidas ela havia invadido por um pequeno momento e acabou por descobrir que seja lá qual for seu próprio problema, ele é muito pequeno para o tamanho do mundo. Para o tamanho da sua própria vida.

Terminou seu almoço. Pegou suas sacolas e dirigiu-se ao carro. Sentou ao volante. Ligou o carro e resolveu voltar ao escritório. Mais tarde voltaria para casa e convidaria seu marido pra jantar.

Descobriu que era feliz, mas não sabia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Terminou seu almoço. Pegou suas sacolas e dirigiu-se ao carro. Sentou ao volante. Ligou o carro e resolveu voltar ao escritório. Mais tarde voltaria para casa e convidaria seu marido pra jantar.

Descobriu que era feliz, mas não sabia.

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hoje conheci um pouco de seu blog, e este fragmento de texto me deixou emocionado, pq será que raramente nos damos conta que somos felizes? pq em negativas ficam tristes?